Compulsão alimentar: uma análise mental e social

O ato de comer está culturalmente relacionado ao comportamento humano e suas nuances. Se na pré-história a idealização da presença do alimento era algo forte o suficiente para gerar conflitos e relações de dominação, na atualidade esse papel é ilustrado pela potencialidade do hábito alimentar disfuncional em causar doenças físicas e psicológicas, bem como trazer a tona aspectos sociais envolvidos.

Cientificamente, a compulsão alimentar caracteriza-se por um transtorno mental no qual o indivíduo está propenso a consumir grandes quantidades de alimentos – doces ou salgados – em um curto período de tempo – cerca de uma a duas horas, por exemplo -, de maneira descontrolada, posteriormente gerando sentimentos de culpa e auto depreciação, com sofrimento psíquico. Diferente do que o imaginário popular retrata, esses episódios não estão restritos apenas a pessoas com quadros de sobrepeso ou obesidade, mas também indivíduos com Índice de Massa Corporal (IMC) adequado.

Sabendo a definição biológica, agora você se pergunta: o que tem do outro lado do espelho?

Analisando a questão de forma mais profunda, é notável que o comportamento alimentar está relacionado com a existência de uma série de estressores sociais e psicológicos. Quando falamos de comida, antes de tudo estamos falando de sociedade.

O primeiro fator predisponente a compulsão que podemos citar é a incapacidade de gerenciamento do tédio. Se você passa muitos períodos ocioso(a) ou tem dificuldades de incluir atividades prazerosas em sua rotina, torna-se ainda mais fácil que seu pensamento seja direcionado ao consumo de alimentos em grandes quantidades.

Outra possibilidade muito significativa para o desenvolvimento de um transtorno alimentar é o prejuízo na auto percepção corporal e física. O dismorfismo corporal, ou seja, o exagero na crítica em relação a própria imagem, contribui de maneira intensa para a deflagração de episódios compulsivos relacionados a comida, visto que o indivíduo possui um desequilíbrio entre o impulso e o desejo inconsistente de se manter cada vez mais próximo do seu ideal – inatingível – de perfeição.

Dentre aquilo que foi citado acima, ainda temos um terceiro elo para essa corrente – e talvez o mais profundo deles: a ferida emocional causada pela pobreza. Indivíduos que durante sua infância e adolescência passaram por situações de restrições financeiras e, consequentemente, redução no poder alimentar, estão propensos a desenvolverem, ao longo da vida, episódios de compulsão alimentar. A justificativa para esse comportamento é o medo da escassez, que mesmo diante de uma atual boa condição, ainda se instala de forma latente. Os pensamentos voltados para o difícil passado suprimem a consciência de elevação social, levando a picos de ingestão de grandes quantidades de comida pura e simplesmente pelo “medo de não tê-la”, sendo sucedidos pela culpa arrasadora.

Dessa forma, nota-se que a compulsão alimentar possui causas multifatoriais, desde os tempos remotos. Mais importante do que o diagnóstico médico em si, identificar a raiz primordial desse transtorno na vida de um indivíduo é o caminho mais seguro para que o tratamento seja realizado de forma efetiva, sempre de maneira multidisciplinar e priorizando o bem estar mental do paciente.

Busque ajuda! A compulsão alimentar tem cura!

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Médica, psiquiatra, professora e metida a escritora nas horas vagas. Descobri na palavras um refúgio e instrumetro de controle emocional.